quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O Muro do Silêncio em Mim


Já faz um tempo que eu não apareço por aqui para falar dos meus projetos, né?
Passei esses últimos tempos mais recolhidos, sem falar mais sobre o tema que venho trabalhando nos últimos anos: pessoas adultas abusadas sexualmente na infância e adolescência.

Tenho falado muito sobre o MURO DO SILÊNCIO que existe em volta desta temática e apesar de me sentir bem crítico e dedicado a me aprofundar em muitas questões que dizem respeito ao abuso sexual, tive que reconhecer que este muro do silêncio TAMBÉM ESTÁ EM MIM e de várias formas. Algumas destas facetas já reconheço há tempos e venho me trabalhando para não me alienar e deixar de levar elas em consideração.

Como se deu esse reconhecimento?

Na última live que fizemos pelo Projeto Revelando-Ser falamos sobre o documentário “Athlete A”, que está disponível na netflix e conta a história de um médico que abusou sexualmente de mais de 100 adolescentes que faziam parte da equipe de ginástica olímpica dos EUA. Ao assistir novamente ao documentário, ficou muito gritante o quanto “é fácil” para um HOMEM estar num lugar de violentar uma CENTENA de MENINAS durante tanto tempo e ainda ficar sendo protegido por uma estrutura social que o acoberta. Quando terminei fui me sentindo meio triste, quase que enojado pela condição de ser homem dentro da nossa sociedade.

Escutar os relatos das mulheres, como tantos que já escutei no consultório e na vida, me fez “lembrar” do quanto as DIMENSÕES SOCIAIS e CULTURAIS que atravessam o abuso sexual perpassam pela questão de GÊNERO, lembrar de como a violência sexual está inserida e reforçada dentro de uma estrutura maior que é o MACHISMO.

Eu aspeio o verbo “lembrar” porque eu já falo sobre isso nas minhas palestras, cursos, podcast, etc. Esse reconhecimento não é uma novidade para mim. Porém, diante desse documentário, eu comecei a pensar sobre qual era O MEU LUGAR DE FALA dentro desse trabalho que desenvolvo de maneira tão dedicada. E me surpreendi com o fato de, apesar de citar o machismo como uma estrutura importante para se compreender o abuso sexual, eu nunca parei para realmente enfatizar essa relação.

Não parei para reforçar o quanto é importante que compreendamos os abusos sexuais dentro dessa teia maior de RELAÇÕES DE PODER que vulnerabiliza homens e mulher, é verdade, mas que tem, primordialmente, na sua base, um lugar de PRIVILÉGIO do lugar do homem em relação à mulher.

E eu me perguntei sobre o porquê desse elemento tão fundamental ter “me escapado” ao longo dos anos. Por que que, mesmo me dedicando tanto a problematizar tudo que tem a ver com o abuso sexual, “coincidentemente”, não procurei me debruçar mais sobre essa relação tão importante?

E a resposta veio nua e crua, de uma forma que eu nem esperava. Porque isso NÃO ME INCOMODA TANTO dentro do MEU LUGAR DE SER HOMEM na sociedade. Mas assim que eu respondi isso, me peguei perguntando: Mas como assim? Você não escuta tantas mulheres falando disso? Você não se importa tanto com elas, verdadeiramente? Você não estuda sobre isso há tanto tempo? E a resposta para todas essas perguntas foi sendo: Sim, sim, sim e sim!

Mas ainda assim me restou uma sensação de que o muro do silêncio é tão grande, é tão estrutural, que, por mais paradoxal que possa parecer, mesmo eu me dedicando a desconstruir esse muro, o fato de eu ser homem dentro da nossa sociedade me fez não priorizar essa parte da dimensão estrutural. Mesmo me trabalhando muito, ainda é difícil RECONHECER OS PRÓPRIOS PRIVILÉGIOS e as VIOLÊNCIAS que também são cometidas a partir deles.

Logicamente que eu tenho um argumento muito bom para me justificar por essa omissão: O MURO DO SILÊNCIO em relação ao abuso sexual, e ainda mais especificamente às pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência, É TÃO GRANDE que eu tenho MUITAS coisas para compartilhar, refletir, sensibilizar as demais pessoas que não faltam assuntos para falar em todos os lugares que eu vou. Sempre falo que é preciso TEMPO para se compreender esse GRANDE QUEBRA-CABEÇA e as peças são muitas.

Mas depois desse recolhimento recente eu paro para aceitar que não foi somente por isso. Me veio uma frase muito forte nessas reflexões: Se fosse uma MULHER que puxasse mais as questões teóricas do projeto Revelando-Ser, as temáticas do MACHISMO, PATRIARCADO, RELAÇÕES DE PODER, etc. já teriam sido, radicalmente, mais ENFATIZADAS, ELABORADAS e COMPARTILHADAS ao longo desse tempo de projeto.

Foi um processo de despertar meio esquisito, por me parecer que não tinha nenhuma novidade que se apresentava a minha frente. Foi mais um lugar de gerar esse ESTRANHAMENTO dentro daquilo que PARECE SER NATURAL.

Lembro de uma frase de uma professora de psicologia social que eu tive na UFPE: “precisa ser um peixinho muito metido a besta para perceber que onde ele vive é molhado!” Fiquei me cobrando por ter percebido essa ausência logo. Mas estou me trabalhando para compreender que a estrutura aprisiona a todes, inclusive a nós profissionais.

O fato de eu ter me pego de surpresa, alimentando estruturas dentro de mim que me fazem olhar menos para alguns aspectos de toda essa complexidade me leva a estar mais atento para os profissionais que estão no lugar de acolher as pessoas adultas que passaram por essa situação de abuso.

Quando eu parei para reconhecer que, mesmo com toda imersão e dedicação ao longo dos anos, ainda tenho aspectos que me constituem e que me fazem reproduzir de maneira tão natural, por exemplo, ter menos interesse por evidenciar as relações de poder que estão na base das violências diárias que acontecem na nossa sociedade, me perguntei: E os (as) demais profissionais que nem pararam para se deter um pouco mais sobre estas questões? Será que estão atentes para a complexidade desse quebra-cabeça? E se não estiverem, será que não precisamos falar mais sobre isso?

Temos recebido muitos relatos no Revelando-Ser que nos mostram que muitas pessoas adultas que procuraram uma ajuda profissional, encontraram respostas que não ajudaram em nada, inclusive aprofundaram ainda mais uma dor que já era dilacerante.

Então, estou querendo me dedicar mais a problematizar e sensibilizar todes profissionais a se dedicarem um pouco mais a olhar para essa temática.

Mas explico melhor sobre isso em outro post ou vídeo.

Por ora só quis sair do meu lugar de silêncio para dizer que, apesar das contradições desse percurso, quero muito continuar compartilhando com vocês as coisas que vivo e aprendo, para que possamos desconstruir, verdadeiramente, esse muro do silêncio estrutural que aprisiona tanta gente.

 

 

Independência??? 07 de setembro de 2021

 


Quanto tempo sem passar por aqui...rsrsrs
Estarei voltando aos poucos.

Hoje retomo com essa mania chata de ver política em tudo.

Mesmo estando meio afastado das redes, não consegui deixar passar batido o nosso 07 de setembro de ontem. Apesar de não mobilizar muita energia para atuar de alguma forma, me senti bem preocupado ontem. Não quis pensar muito sobre, apesar de acompanhar algumas reportagens e postagens sobre. Acho que tem muita gente boa escrevendo sobre como é alarmante e grave o momento que estamos vivendo no nosso cenário político. Por isso não vou me alongar muito em análises.

Mas, estava assistindo a uma animação com a minha filhota aqui em casa e não deixei de me sentir incomodado com algumas cenas desta. Compartilho com vocês somente um vídeo do início do filme “O Lorax: Em busca da Trúfula Perdida (2012)” que assisti no Netflix. Eu gostei do filme, apesar de não ser uma animação das melhores. A mensagem dele é de fácil acesso para as crianças e pode fazer com que nós, adultes, reflitamos também sobre a maneira como vivemos nossas vidas.  

Quando eu escutei a letra dessa música inicial e o clima animado com que os personagens cantam fiquei achando bizarro e quase paro de assistir ao filme. Mas depois percebi que o meu incômodo foi porque, guardando as devidas proporções e limitações dos temas abordados, achei parecido com que estamos vivendo atualmente no nosso momento político. Também vivemos um momento muito bizarro. Lembrei das dancinhas da época das eleições de 2018.  Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Mas ali, às vésperas das eleições, apesar de tudo que Bolsonaro já vinha anunciando com falas e posturas, ainda se parecia ter um quê de “queremos uma mudança”. Mas nesse 07 de setembro de 2021 não se tem nem mais essa desculpa. Ver que muitas pessoas continuam apoiando o atual presidente, apesar de tudo que vem acontecendo e como as coisas estão no nosso país, é bastante frustrante para mim!

Voltando a animação. Só para vocês terem ideia do meu incômodo: nela o contexto é de uma cidade que não tem mais nenhuma árvore natural. As que existem são todas de plásticos, fabricadas. Por conta disso, um empresário consegue mandar em todas as pessoas porque ele, simplesmente, vende ar puro e por ser muito lucrativo esse negócio ele tenta de todas as formas fazer com que ninguém se interesse nas árvores de verdade. E as pessoas estão tão adaptadas a este tipo de vida que o defendem porque se sentem felizes em viver como vivem. Logicamente com uma grande dose de manipulação, fake News e uso da violência por quem está no poder.

Assistam ao vídeo e vejam como as pessoas estão felizes cantando suas próprias desgraças e não problematizam como seria melhor mudar. Lembrei de outra animação, “Wall-E (2008)”, a qual também fala da relação com o meio ambiente e da alienação que paira sobre todos os seres humanos.

Como falei no começo, não quero fazer muitas análises. Mas pensei muito em como sinto que a nossa sociedade está caminhando ladeira abaixo com o desgoverno que aí está e como têm pessoas que defendem, apoiam, parecem achar que estamos no caminho certos e não problematizam de maneira mais crítica o que está acontecendo.

A motivação para esse comportamento, ao meu ver, é complexa e atravessada por várias questões sócio-culturais que não vou me debruçar no momento

Espero que possamos mudar o rumo atual dessa caminhada para que não precisemos viver coisas ainda mais bizarras do que já estamos vivendo no presente momento.

 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Luz na escuridão - Depoimentos sobre a temática do Abuso Sexual

 




Estarei a partir deste momento compartilhando os depoimentos que tenho recebido das pessoas que tiveram algum contato com a temática das pessoas adultas que foram abusadas sexualmente através das atividades que venho desenvolvendo.

Separarei os depoimentos em marcadores daqui do blog para facilitar achar mais rapidamente o que se está procurando.

Os marcadores serão separados entre

1 - Pessoas adultas abusadas sexualmente na infância e adolescência (PASIA) e que tiveram algum benefício no seu processo pessoal;

2- Profissionais que sentiram que se aprofundar mais sobre a temática foi significativo para sua atuação profissional;

3 - Familiares ou pessoas próximas das PASIAs que sintam que puderam ter uma compreensão melhor sobre as várias dinâmicas que envolvem a temática do abuso sexual.

É importante ressaltar que trazer esses depoimentos não tem, de nenhuma forma, o objetivo de prometer que as pessoas que entrem em contato com a temática vão ter os mesmos resultados que serão mostrados aqui. Como sempre enfatizo nas minhas falas, a maneira como cada pessoa vivencia o abuso sexual pode ser muito particular, fazendo com que a saída dessa prisão também tenha tempos e ritmos; cores e dores; barulhos e silêncios; caminhos e paisagens; quedas e saltos; conquistas e derrotas; sombras e luzes muito diferentes para cada pessoa.

Compartilhar esses relatos tem muito mais o objetivo de materializar uma esperança de que é possível ver luz na escuridão. Ao abrirmos mais espaços de escuta, acolhimento e cuidado para essa temática, podemos lidar com essa lama que já está acumulada por tantas gerações e, talvez, construir uma sociedade onde não seja tão penoso lidar com essas feridas em silêncio.

Que possamos estar juntes nessa missão.

"Uma história sobre as memórias que nos assombram e a verdade que nos liberta...”

 

Essa frase do título está na capa do filme - O príncipe das Marés (1991)

Ao trabalhar com pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência poder surgir muito o questionamento sobre o quanto é importante olhar para o passado, muitas vezes sofrido, onde aconteceu o abuso sexual.

Para algumas pessoas olhar para esse passado parece uma perda de tempo, um vitimismo infantil e desnecessário, atitude de uma pessoa pessimista que fica se apegando às coisas ruins da vida ao invés de perceber que ela não é mais uma criança e que tem que olhar para a frente ao invés de ficar “ruminando” o passado. Afinal de contas “não vai mudar em nada” ficar olhando para o que aconteceu.

Essa postura de muitas pessoas que não passaram pela situação do abuso sexual e até de várias que também passaram só dificulta uma melhor compreensão do sofrimento pelo qual muitas pessoas estão aprisionadas durante anos.

Gosto muito da frase citada no início desse post e que foi retirada da capa do filme. Ela mostra o quanto pode ser uma empreitada frustrante e exaustiva não olhar para determinadas memórias que insistem em serem lembradas e que podem tomar a pessoa de assalto em momentos bem inesperados.

Tem uma cena do filme que para mim retrata um pouco dessa dinâmica. O Tom (personagem principal), depois de algumas sessões com a terapeuta e de começar a lembrar de muitas coisas do seu passado, vai passar um tempo na sua casa e participa de uma festinha de aniversário da sua filha caçula. Neste momento, onde a sua esposa está preparando o bolo com as suas filhas, ele começa a lembrar de um aniversário dele e da irmã dele e que teve uma cena de violência pesada entre os seus pais. Ele fica na lembrança durante um tempo e consegue ainda voltar há tempo de cantar o parabéns para a sua filha sorrindo

É importante destacar que o personagem se apresenta como uma pessoa muito distante emocionalmente de tudo, nunca se permitindo se conectar verdadeiramente com nada e com ninguém.

Aqui eu levanto uma hipótese teórica de que, quando temos feridas que ainda estão muito abertas dentro da gente, precisamos, de alguma forma, evitar entrar em contato com essas lembranças e, também, com eventos do presente que servem de gatilhos para acessarmos essas dores. Talvez o Tom nunca possa ter desfrutado de um aniversário da sua filha, porque não “conseguia” correr o risco de lembrar das violências que vivia na sua infância. Logo, se afastar de tudo funciona como um mecanismo de sobreviver a tantos choques traumáticos.

Porém, nesta cena, o processo acontece de tal forma que, ao ter um suporte de alguém que o ajudava a encarar esses porões obscuros do passado, o Tom, ao se lembrar do passado, não precisa ficar negando aquela experiência dolorosa que aconteceu. Ele pôde integrar que aquele evento faz parte da sua história e ainda tem tempo de se permitir ser afetado pelo que estava acontecendo no presente.

Então, olhar para o passado não é para ficar naquele passado, mas, sim para poder se libertar de tantas amarras que nos impedem de estar mais plenamente no presente. Quanto mais podemos ter um olhar cuidadoso para nossas dores passadas, mais podemos garantir elas não nos dominarão no momento presente. Quando mais olhamos para a verdade, mesmo que seja permeada por sofrimentos, mais é possível encontrar uma liberdade dentro da nossa história.

Tenho visto isso acontecer com muitos clientes e isso é muito gratificante!

Vamos olhar mais para o que precisa ser visto?

sexta-feira, 26 de março de 2021

Palestra no I Fórum Nacional de Educação e Enfrentamento ao Abuso Sexual na Infância e Adolescência



 
Ontem eu participei do I Fórum Nacional de Educação e Enfrentamento ao Abuso Sexual na Infância e Adolescência.

Eu trouxe a temática principal do projeto Revelando-Ser: Pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência. Abordei alguns aspectos mais psicológicos e sociais que atravessam a vivências das pessoas adultas. 

Para quem não pôde assistir ontem, segue o link do canal do youtube da ONG REVIVER Araras.

Link da Palestra  

quinta-feira, 18 de março de 2021

#25| Podcast Revelando-Ser| "REVELANDO FILMES: No limite do silêncio (2001)"



 


Para escutar o episódio, clica aqui: #25| REVELANDO FILMES: No limite do silêncio (2001)

ALERTA DE SPOILER!

Os filmes que tocam na temática do Revelando-Ser têm sido um instrumento muito facilitador para que possamos compreender um pouco mais sobre toda a complexidade, nuances, desafios e possibilidades dentro do trabalho com as pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência.

Neste quinto episódio do REVELANDO FILMES conversamos sobre o filme "No limite do silêncio" (1991).

Escolhemos esse filme por sentirmos que ele toca em pontos muitos importantes para refletirmos sobre o abuso sexual contra crianças e adolescentes, bem como seu impacto no desenvolvimento da personalidade da pessoa vítima dessa violência.

Abaixo a sinopse:

Michael Hunter (Andy Garcia) é um psiquiatra que fica arrasado quando seu filho adolescente, Kyle (Trevor Blumas), se suicida. Este fato provocou a separação do casal, pois Penny (Chelsea Field), sua ex-mulher, o culpou pelo acontecido e na verdade ele também se considerava responsável pelo fato. Três anos após o suicídio, Michael não dá mais consultas e só dá palestras e escreve livros. Até que Barbara Wagner (Teri Polo), uma ex-aluna, lhe pede para examinar o caso de Thomas Caffey (Vincent Kartheiser), um garoto que foi marcado por uma tragédia familiar. Com a mãe morta e o pai preso Tommy foi para um orfanato, mas agora, quando ele está prestes para completar dezoito anos, será liberado, sendo que Barbara sente que ele ainda não está pronto. Inicialmente Michael se recusa a tratar do caso, mas gradativamente se interessa e vai conversar com Tommy. Logo que Tommy e Michael se encontram as barreiras entre médico e paciente ficam confusas, pois entre eles há mais alguém e este alguém é Kyle. (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-36728/)

Para conhecer mais sobre o projeto, visite o site revelandoser.org, pelo Instagram @revelando_ser ou pelo e-mail revelandoser@gmail.com

Ficha Técnica

Vozes: Guilherme Assunção e Quezia Cordeiro

Edição e Vinheta: Marcelo Sena

Realização: Projeto Revelando-Ser

Gravado no dia: 11/03/2021


quarta-feira, 17 de março de 2021

A pandemia enquanto reforçadora do MEU Muro do Silêncio


Como está enfatizado no título, tudo que escreverei nesse texto falam de atravessamentos meus, sem a intenção de avaliar, julgar, criticar ou guiar outras pessoas nas suas experiências com a pandemia.

Esse título me suscita vários aspectos diferentes que poderiam ser trazidos para esse texto. Existem alguns dados mostrando que houve um aumento do número de abusos sexuais contra crianças e adolescentes ao longo desse período de pandemia. Para não ficar ainda maior o texto – quem me conhece, sabe que eu tento não falar muito...rsrs – irei deixar alguns links que podem ilustrar melhor.

Abusos contra crianças e adolescentes aumentam durante a pandemia

Abuso sexual infantil na internet aumenta durante isolamento, diz Europol

Abusos contra crianças crescem até 12 vezes na pandemia em São Paulo

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Mas não é dessas situações todas que quero falar hoje. Quero falar de um reforço muito particular, sobre o qual venho tendo clareza de maneira muito incipiente até o momento.

Desde a minha última postagem, no dia do meu aniversário, que eu não tive muita energia para voltar às redes sociais. Agradeci a maior parte das pessoas, mas fiquei sem dar resposta para tantas outras. 

No começo achei que era um certo cansaço depois de terminar o curso de extensão que eu estava facilitando ao longo daquele mês. Mas achei que logo em seguida, eu retomaria as atividades.

Eu tinha muitos motivos para isso: 

1- O término do curso para mim foi de uma potência que ainda quero falar mais sobre ele;

2- Estamos com uma segunda turma do mesmo curso para iniciar em abril; 

3- Diante do retorno de muitos participantes que querem continuar se aprofundando mais na temática, vamos realizar em junho um curso de aprofundamento com quem participou dessas duas primeiras turmas;

4- Tenho outros movimentos para fazer dentro do projeto Revelando-Ser que podem ser ainda mais realizadores e capazes de ajudar ainda mais gente.

Ou seja, eu estava muito animado, muito empolgado com tudo que estava e ainda está acontecendo nesse meu momento profissional.

Mas eis que, de repente, eu não me sinto com energia para voltar para as redes, para os grupos, para continuar no movimento que eu estava fazendo e que estava super bom. Eis que eu entro no mode off e demoro muito para retornar. Na verdade essa postagem é o que está marcando meu retorno. Duas semanas depois do meu aniversário.

Esse sumiço não foi programado, não foi desejado e, posso até dizer que não foi percebido. Simplesmente parece que os dias foram passando e eu não reapareci.

Ao ler uma postagem da minha amiga Isadora Dias (@psicologa.isadoradias), me veio forte o que eu já tinha sentido no meu aniversário e que achei que tinha passado: um sentimento de confusão e ambiguidade em relação aos meus projetos, sonhos, vida, alegrias e todo o contexto nefasto que estamos vivendo com a pandemia.

Nesta pandemia eu estou fazendo parte de um grupo que está conseguindo atravessar esse momento com muitas limitações, mas que nem se comparam com enorme quantidade de sofrimentos que tantas outras pessoas estão passando. 

Só trazendo um dado concreto mais concreto: eu não perdi nenhuma pessoa próxima de mim por conta do COVID-19. Fico apreensivo por isso todos os dias, tentando ter todos os cuidados, mas não tive essa experiência que vemos que está atingindo a tanta gente.

Tenho tentado encontrar um equilíbrio diário complexo, sofrido, frágil entre estar por dentro das coisas que acontecem, não me alienar de tudo que estamos vivendo pessoalmente, socialmente, politicamente, etc. e não me deixar abater por tantas coisas ruins, por tanta desesperança, por tanto sentimento de impotência, angústia, tristeza, revolta, etc.

Quando a pandemia pareceu ser algo que passaria logo (nem sei se existiu esse momento dentro de mim para além de uma tentativa vã de achar que as coisas não seriam tão ruins), parecia ter um sentimento de "agora não é hora de fazer determinadas coisas, agora é hora de sobreviver, de cuidar de si e de todes, na medida do possível". Parecia que outros sonhos e planos deveriam aguardar um pouco até chegar um momento mais oportuno, um momento menos urgente e sofrido, para se falar de outras coisas que não fossem diretamente relacionadas com a pandemia e todos os efeitos dessa tragédia. 

Mas o tempo veio passando e estamos no pior momento da pandemia. Aí eu volto pro começo da historinha: o que é que tem a ver tudo isso que eu estou falando com o MEU muro do silêncio?

Diante de tudo que estamos vivendo parece quase que errado eu ter estado tão empolgado, tão cheio de vitalidade e de sonhos há 15 dias atrás. Como eu falei antes, foi estranho celebrar a minha vida, quando tudo está tão rodeado de mortes.

Eu terminei o dia 03.03.2021 pulsando com tanta coisas boas que estavam e ainda estão por vir, mas em algum lugar dentro de mim eu me julguei, me condenei e sentenciei que dentro de um contexto tão sofrido não caberia tanta motivação, empolgação e alegria. "Como você pode estar tão feliz quando ao seu redor tantas pessoas sofrem?". Aí chega no Muro do Silêncio que tenho falado tanto nos últimos tempos: "Qual a importância de falar de pessoas adultas que foram abusadas sexualmente e os seus sofrimentos, quando tem tanta gente morrendo aos montes e tanta gente sofrendo por tanta coisas do momento presente?".  Já existe um muro do silêncio enorme em volta da temática do abuso sexual. Esse assunto parece nunca ter o momento "certo" de se falar sobre ele. Venho trabalhando diariamente para desconstruir essas ideias, mas me senti envolvido por elas nesse momento trágico da nossa sociedade.

É como se, diante do absurdo ao qual estamos vivendo neste momento, qualquer assunto que não fale sobre a pandemia, sobre um desgoverno que faz da morte seu projeto político, sobre estratégias de amenizar tanto o nosso sofrimento diário, beira a uma postura que não está implicada socialmente e politicamente. Qualquer fala que venha trazer outras situações, ainda mais com esse clima de empolgação que eu estava, parece ser um lugar de alienação e de não estar falando do que importa neste momento. Falar de abusos sexuais parece off-topic atualmente.

Tem um dentro de mim que não concorda com isso. Já falei sobre isso antes e reconheço o quanto as coisas que proponho são importantes e que, assim como tantas outras pessoas, tenho o direito de nutrir coisas que fazem sentido para mim. Mas tive que reconhecer que o meu sumiço das redes se deu por vários sentimentos desses que nem sequer eu os estava conseguindo nomear. Como sei racionalmente disso, parece que acredito estar imune a todo esse atravessamento de sofrimento que chega por todos os lados. Mas tive que reconhecer que essa ambiguidade fica funcionando em segundo plano, drenando parte da minha energia e entusiasmo com a minha própria vida.

Qual o nosso lugar diante disso tudo? Quanto consigo suportar vê tantos sofrimentos? Quanto me perco nesse mergulho? Como continuar sendo guarida para outras pessoas envolvido por tanta desesperança? Em que medida o meu procurar estar bem pode ser somente uma defesa para não entrar em contato com uma dor que já está mais profunda?

Teriam tantas outras perguntas.

Não tenho solução para isso no momento. Só sinto que, ao conseguir nomear para mim esse interdito, essa proibição, consigo reconhecer o quanto não faz sentido ficar paralisado e estou retomando hoje as minhas atividades, não ficando refém do meu/nosso sofrimento.

Chego mais inteiro para dar andamento a tudo que sinto dentro de mim.

Hoje à noite estaremos juntes, eu e Isa, numa live no insta dela para conversar um pouco mais sobre tudo isso.

E vocês como lidam com tudo isso?